quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A arte de preservar-se menino

Traquinar pode ser um problema. E embora saibam disso, muitos homens de hoje riem ao se lembrar dos meninos que foram. Há vantagem nisso, afinal ser menino é uma arte, e fazer arte de verdade é para poucos meninos. Do mesmo modo que conservar certas características também são para raros adultos, com espírito artístico.
Mas nem toda arte deve ser associada a traquinice. Isso porque roubar a lâmpada do lixo do vizinho, para fazê-la parte de uma peculiar receita, é uma transgressão justificável, pois inclusive tal ciência foi passada por gerações de menino para menino, ou de pai-menino pra menino. Ora se empinar uma arraia, pipa como outros chamam, não é uma das artes mais lindas. Da montagem das varetas, ao conectar de uma nova rabada, numa ciência cuidadosa cheia de expectativa, bem como, claro, o incremento com material vítreo no protocolo padrão dos empinadores. Sem deixar de mencionar que essa grande arte de levantar papel ao vento como se fosse pássaro não é mesma coisa quando um menino derruba a arraia do outro e todos os outros empinadores-competidores, correm em busca do pássaro a cair. No intento de dar recomeço ao ciclo da arte. Sem essa corrida arriscada, que muitas mães se apavoram empinar arraia nunca seria um arte.
Há de se acrescentar ainda características marcantes de como ser menino é certamente ser um pouco artista. Não do tipo de artista cheio de contradições, repletos de autenticidade e sofrimentos por se achar diferente dos outros. Todo menino, sem afetações, tem a alma transparente e pura do artista mais simples (nem por isso menos valorizável ou criativo), sendo, além de tudo fiéis. Como resultado dessa atitude tratam os amigos como parceiros de jornada, pra toda hora e toda brincadeira. Não importa a aparência, basta querer estar. Seja para simplesmente jogar bola, por exemplo, ou usando a imaginação para usar cabos de vassoura como espada ou um cavalo, numa arte quase épica que requer alta criatividade. E mesmo sendo competitivos respeitam a vitória e, às vezes, a derrota.
Além disso, meninos são artífices nas dificuldades. Quer no clássico futebol com um time de camisa e o outro sem, em que a trave é a havaiana de um ou outro (muitas vezes é só um pedregulho qualquer), quer nas gudes emprestadas para pagar com figurinhas repetidas de álbuns. Ou quem sabe no papagaio feito de folha de caderno que voa tão bem quanto uma arraia. E também, não se pode esquecer, dos carrinhos de rolimã improvisados com madeira vagabunda, mas que ganhavam boa velocidade e faziam curvas incríveis, principalmente nas ladeiras, da mesma forma que os carrinhos mais caros.
A lista poderia ser enorme, a depender do local, a depender do grau artístico de cada menino. Alguns, por sorte, quando crescem, mentem um pouco desse menino. Ah! Como seria bom ver mais homens-meninos, mesmo sendo sérios e responsáveis, sabem rir com besteira, ou zelam por um amigo como se fosse um parceiro de traquinagem, e também defendem os irmãos como um herói. 
Mas ser assim afasta, cada vez mais, hoje em dia. Poucos sabem valorizar esses bobocas, nascidos da criatividade de se manter o que bom. De enraizar, para o resto da vida, o melhor de ser menino, ou seja, estar e amar em verdade. Ser homem não deveria nos afastar daquilo que muitos meninos valorizam, a simplicidade de viver a vida, como se o que apenas importasse é viver e estar com os outros, da mais livre, pura, positiva e intensamente maneira possível. Mas, estar, não é tão simples? Talvez não, porque requer associação com o outro verbo, tão difícil quanto confundível e amedrontável, para alguns, apenas, por sorte, para alguns...

segunda-feira, 23 de julho de 2012

A voz do Amazonas: A raiz

A raiz


por Thiago de Mello
a Moacyr Félix


Num campo de silêncio
onde pastam manhãs
estou pelo que sou.

Canção azul de cobre,
me chega pelo vento:
em sua dor me deito.

Um espesso lençol
com ternura de pinhos
enrola o coração.

O sangue levanta
no espaço bandeiras
de fogo e limão.

Até a pedra entrega
seus ásperos segredos
ao cristalino dia.

A raiz arranca
com sua garra de amor
a rosa do meu peito.

E reparto o diamante
que a infância me deu.
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[Do presente dos inesquecíveis: Faz escuro mas eu canto. Thiago de Mello - 23ªEd. - Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 45-46.]

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Arremedo

Dizem que a arte imita a vida, ou vice-versa. Ou não. Só lembro que no cinema um único sentimento parece ser, muitas vezes, imitado tão bem a ponto de me contagiar.
Nesses momentos raros e célebres do cinema esqueço a sua atual escassez para criatividade. Eu, tão pouco criativo como o cinema do século XXI, cheio de refilmagens e afins, retalhei em uma só imagem, amizades do cinema as quais sempre me lembro, quando o assunto é estar ao lado de alguém, em todos os momentos, perto ou longe.
Tal falta de inspiração, seja fruto das mudanças literais as quais estou passando, mas justificar-me talvez seja perder-me ainda mais. Afinal, quem sabe a imagem de imagens não valha mais que palavras. 

Principalmente para quem tem uns aninhos como eu, algumas vão ser nostálgicas e altamente representativas. Enfim, eu tenho a felicidade de dizer que tenho amigos, poucos AMIGOS, os quais são de raros tipos (já que a sociedade os quer rotular). E nem precisa eu dizer quem é quem nas fotos, pois eles certamente irão descobrir, evidentemente esquecendo das características externas, para lembrar-se do mais importante, a história de amor-amizade entre as figuras fictícias que arremedaram alguma bela história nesse mundo, mesmo tão cheio de problemas.

Feliz dia do Amigo!!!