quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A arte de preservar-se menino

Traquinar pode ser um problema. E embora saibam disso, muitos homens de hoje riem ao se lembrar dos meninos que foram. Há vantagem nisso, afinal ser menino é uma arte, e fazer arte de verdade é para poucos meninos. Do mesmo modo que conservar certas características também são para raros adultos, com espírito artístico.
Mas nem toda arte deve ser associada a traquinice. Isso porque roubar a lâmpada do lixo do vizinho, para fazê-la parte de uma peculiar receita, é uma transgressão justificável, pois inclusive tal ciência foi passada por gerações de menino para menino, ou de pai-menino pra menino. Ora se empinar uma arraia, pipa como outros chamam, não é uma das artes mais lindas. Da montagem das varetas, ao conectar de uma nova rabada, numa ciência cuidadosa cheia de expectativa, bem como, claro, o incremento com material vítreo no protocolo padrão dos empinadores. Sem deixar de mencionar que essa grande arte de levantar papel ao vento como se fosse pássaro não é mesma coisa quando um menino derruba a arraia do outro e todos os outros empinadores-competidores, correm em busca do pássaro a cair. No intento de dar recomeço ao ciclo da arte. Sem essa corrida arriscada, que muitas mães se apavoram empinar arraia nunca seria um arte.
Há de se acrescentar ainda características marcantes de como ser menino é certamente ser um pouco artista. Não do tipo de artista cheio de contradições, repletos de autenticidade e sofrimentos por se achar diferente dos outros. Todo menino, sem afetações, tem a alma transparente e pura do artista mais simples (nem por isso menos valorizável ou criativo), sendo, além de tudo fiéis. Como resultado dessa atitude tratam os amigos como parceiros de jornada, pra toda hora e toda brincadeira. Não importa a aparência, basta querer estar. Seja para simplesmente jogar bola, por exemplo, ou usando a imaginação para usar cabos de vassoura como espada ou um cavalo, numa arte quase épica que requer alta criatividade. E mesmo sendo competitivos respeitam a vitória e, às vezes, a derrota.
Além disso, meninos são artífices nas dificuldades. Quer no clássico futebol com um time de camisa e o outro sem, em que a trave é a havaiana de um ou outro (muitas vezes é só um pedregulho qualquer), quer nas gudes emprestadas para pagar com figurinhas repetidas de álbuns. Ou quem sabe no papagaio feito de folha de caderno que voa tão bem quanto uma arraia. E também, não se pode esquecer, dos carrinhos de rolimã improvisados com madeira vagabunda, mas que ganhavam boa velocidade e faziam curvas incríveis, principalmente nas ladeiras, da mesma forma que os carrinhos mais caros.
A lista poderia ser enorme, a depender do local, a depender do grau artístico de cada menino. Alguns, por sorte, quando crescem, mentem um pouco desse menino. Ah! Como seria bom ver mais homens-meninos, mesmo sendo sérios e responsáveis, sabem rir com besteira, ou zelam por um amigo como se fosse um parceiro de traquinagem, e também defendem os irmãos como um herói. 
Mas ser assim afasta, cada vez mais, hoje em dia. Poucos sabem valorizar esses bobocas, nascidos da criatividade de se manter o que bom. De enraizar, para o resto da vida, o melhor de ser menino, ou seja, estar e amar em verdade. Ser homem não deveria nos afastar daquilo que muitos meninos valorizam, a simplicidade de viver a vida, como se o que apenas importasse é viver e estar com os outros, da mais livre, pura, positiva e intensamente maneira possível. Mas, estar, não é tão simples? Talvez não, porque requer associação com o outro verbo, tão difícil quanto confundível e amedrontável, para alguns, apenas, por sorte, para alguns...

segunda-feira, 23 de julho de 2012

A voz do Amazonas: A raiz

A raiz


por Thiago de Mello
a Moacyr Félix


Num campo de silêncio
onde pastam manhãs
estou pelo que sou.

Canção azul de cobre,
me chega pelo vento:
em sua dor me deito.

Um espesso lençol
com ternura de pinhos
enrola o coração.

O sangue levanta
no espaço bandeiras
de fogo e limão.

Até a pedra entrega
seus ásperos segredos
ao cristalino dia.

A raiz arranca
com sua garra de amor
a rosa do meu peito.

E reparto o diamante
que a infância me deu.
---
[Do presente dos inesquecíveis: Faz escuro mas eu canto. Thiago de Mello - 23ªEd. - Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 45-46.]

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Arremedo

Dizem que a arte imita a vida, ou vice-versa. Ou não. Só lembro que no cinema um único sentimento parece ser, muitas vezes, imitado tão bem a ponto de me contagiar.
Nesses momentos raros e célebres do cinema esqueço a sua atual escassez para criatividade. Eu, tão pouco criativo como o cinema do século XXI, cheio de refilmagens e afins, retalhei em uma só imagem, amizades do cinema as quais sempre me lembro, quando o assunto é estar ao lado de alguém, em todos os momentos, perto ou longe.
Tal falta de inspiração, seja fruto das mudanças literais as quais estou passando, mas justificar-me talvez seja perder-me ainda mais. Afinal, quem sabe a imagem de imagens não valha mais que palavras. 

Principalmente para quem tem uns aninhos como eu, algumas vão ser nostálgicas e altamente representativas. Enfim, eu tenho a felicidade de dizer que tenho amigos, poucos AMIGOS, os quais são de raros tipos (já que a sociedade os quer rotular). E nem precisa eu dizer quem é quem nas fotos, pois eles certamente irão descobrir, evidentemente esquecendo das características externas, para lembrar-se do mais importante, a história de amor-amizade entre as figuras fictícias que arremedaram alguma bela história nesse mundo, mesmo tão cheio de problemas.

Feliz dia do Amigo!!!





quinta-feira, 19 de julho de 2012

A voz do Amazonas: Botão de rosa

Botão de rosa

por Thiago de Mello

Nos recôncavos da vida 
jaz a morte.
                  Germinando
no silêncio.
                  Floresce
como um girassol no escuro.
De repente vai se abrir.
No meio da vida, a morte
jaz profundamente viva.
---
[Do presente dos inesquecíveis: Faz escuro mas eu canto. Thiago de Mello - 23ªEd. - Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 75.]

sábado, 14 de julho de 2012

A voz do Amazonas: Cantiga de claridão

Cantiga de claridão

por Thiago de Mello

Camponês, plantas o grão
no escuro – e nasce um clarão.
Quero chamar-te de irmão.

De noite, comendo o pão,
sinto o gosto dessa aurora
que te desponta da mão.

Fazes de sombras um facho
de luz para a multidão.
És um claro companheiro,
mas vives na escuridão.
Quero chamar-te de irmão.

E enquanto não chega o dia
em que o chão se abra em reinado
de trabalho e de alegria,
cantando juntos, ergamos
a arma do amor em ação.

A rosa já se fez flama
no gume do coração.

Camponês, plantas o grão
no escuro – e nasce um clarão.
Quero chamar-te de irmão.

Um dia vais ser o dono
do verde do nosso chão:
nunca vi verde tão verde
como o do teu coração. 

---
[Do presente dos inesquecíveis: Faz escuro mas eu canto. Thiago de Mello - 23ªEd. - Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 43-44.]

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Logo ali, na esquina

Ele sempre viu o mundo. Bobo, o tocava e ouvia, de uma maneira diferente de muitos. De certo, tem um ar um tanto quanto sonhador demais, tolo para o mundo. Perdeu oportunidades, é notável, principalmente por conta do preconceito. Sua cor? Sua atitude diante da vida?
Engraçado vê-lo refletindo sobre isso num ônibus lotado. Realmente é de assustar um pouco seu ar longe, em meio a tantos sons, conversas e ruídos. É caos urbano, alguns dizem.
Distancia-se um pouco de si e observa. O ônibus para em um engarrafamento. E logo ali na esquina vislumbra um marginal qualquer apontando uma arma para uma mulher. Ela parece ser forte (fria até) para o momento. Por um momento ele se apaixonaria por ela, devido a tão peculiar comportamento diante da fatídica e constante violência citadina. Mas, por outro lado, ele se invade de terror, pois o ladrão atira na moça, quando ela tenta reagir. A blusa branca da jovem torna-se escarlate, num tom de clímax de vida. De morte. Surpreendo-me então por ver em meio a todo o povo escandalizado, que ele, diferente de todos, volta a ficar pensativo. Descubro seu pensar nas esquinas da vida.
Talvez não só a morte esteja lá, afinal sua onipresença já é conhecida. Por certo ele lembra, ao longe, de entrever o amor na esquina da rua. Sim, o amor dos jovens namorados no portão da casa da menina. Quase se poderia declarar que esse amor está na intensidade do beijo (bem de novela), na força do abraço, ou no inflamar das carícias apressadas e cheia de adrenalina, mas não. Ele vislumbrou o amor sincero e intenso do olhar, de dois jovens enamorados. E no olhar, quase todos são sinceros. Ele duvida.
Quem sabe o desprezo de muitos pelas esquinas residam nas manifestações culturais-religiosas, nos bozós, na felicidade dos foliões no Carnaval, nas festas de rua nos interiores. Ah! Ele vê a esquina como o lugar da amada da adolescência, aquela menina cheia de charme e malemolência, que todos os rapazes ficavam embasbacados ao vê-la passar. Também talvez goste de esquinas, por que estas o lembram da velha engraçada e risonha que contava histórias pra meninos. Quem sabe ainda não se lembre das mulheres fofoqueiras e felizes nos bairros periféricos, que fofocam e atentam suas crianças brincarem, na rua, não em frente a telas cheias e, ao mesmo tempo, vazias.
Possa ser: na próxima esquina ele vai vislumbrar outro clímax da vida. Talvez eu não consiga ter tamanha reflexão, mas preciso ficar atento, afinal um belo e positivo momento pode acontecer no próximo cantinho da vida. Então, lembrarei-me dele, feito do amor, e agarrarei com toda a força, se o momento for único e positivo. Quem sabe assim não alcanço um pouco dessa paz de espírito, no olhar desse bobo.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Você gosta de levar vantagem em tudo, certo?

Esta famigerada pergunta é para muitos brasileiros, retórica. Quando Gerson, o tricampeão brasileiro de futebol, soltou tal frase podia não saber, mas captava um elemento de identificação intrínseco no imaginário popular, e, ao mesmo tempo, profetizava uma onda continua de corrupção na política e na sociedade brasileira.
Antes de mais nada é importante levarmos em conta que durante a história do Brasil uma identidade equivocada foi criada. Inicialmente os brasileiros eram tidos como preguiçosos, o que alguns dizem ser herança dos índios. Outro legado, o escravista, nos fizeram ter horror ao trabalho, assim dizem. A partir desta idéia surgem os malandros e tornam-se parte do imaginário popular fazendo contraponto ao modelo europeu cheio de regras. Com o tempo, o malandro caiu para a contravenção, mas o folclore do “jeitinho brasileiro” já havia marcado quase que definitivamente o caráter nacional. 
Embora estejamos no século XXI, a regra da malandragem persevera em nosso país, seja na política ou no dia-a-dia do povo brasileiro. São muitos os escândalos ocorridos na política, constantes por anos a fio. Todos os casos de corrupção que vem ocorrendo são mais revoltantes por não encerrarem em punição devida e exemplar, tornando a impunidade outra terrível marca do Brasil. 
Mas a política brasileira não está sozinha, uma rápida análise no cotidiano dos brasileiros revelará que a ética é muito pouco praticada. Um exemplo é o instalador de persianas que vem a sua casa e diz que ele também vende este produto (de segunda mão) e muito mais barato. Outro exemplo é o dos milhares de estudantes fantasmas usando carteiras falsas para pagar meia-entrada em cinemas, shows e teatros, além das corrupções já conhecidas que vão desde conseguir um lugar na frente de uma fila ou calar-se ao receber um benefício indevido da previdência. 
De fato, a idéia de levar vantagem sobre os outros conduz, muitas vezes, as pessoas a não cumprirem um papel de transformação na sociedade, além de colocar a imagem do Brasil como um país repleto de trapaceiros. Enquanto não nos cobrarmos, cada um de si mesmo, até que a postura ética substitua a condescendência, a convivência e a prática da corrupção, o Brasil continuará imaturo cultural, política e socialmente.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

A voz do Amazonas: Madrugada camponesa

Madrugada camponesa


por Thiago de Mello


Madrugada camponesa,
faz escuro ainda no chão
mas é preciso plantar.
A noite já foi mais noite,
a manhã já vai chegar.

Não vale mais a canção
feita de medo e arremedo
para enganar a solidão.
Agora vale a verdade
cantada simples e sempre,
agora vale a alegria
que se constrói dia a dia
feita de canto e de pão.

Breve há de ser (sinto no ar)
tempo de trigo maduro.
Vai ser tempo de ceifar.
Já se levantam prodígios,
chuva azul no milharal,
estala em flor o feijão,
um leite novo minando
no meu longe seringal.

Já é quase tempo de amor.
Colho um sol que arde no chão,
lavro a luz dentro da cana,
minha alma no seu pendão.

Madrugada camponesa.
Faz escuro (já nem tanto),
vale a pena trabalhar.
Faz escuro mas eu canto
porque amanhã vai chegar.

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Amazonas, 62,
Santiago, 63,
Para os trabalhadores do MST,
em 1999.
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[Do presente dos inesquecíveis: Faz escuro mas eu canto. Thiago de Mello - 23ªEd. - Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 39-40.]

sábado, 30 de junho de 2012

Saudades, canção e imensidão

As vezes bate uma saudade de tocar certas músicas.
Em muitos momentos de fé, por exemplo, algumas músicas parecem se encaixar perfeitamente.
Uma delas é essa abaixo, música das mais inflamadas e fortes que já toquei.
Acabou que outros videos bem interessantes foram encontrados. Proveitosos principalmente para tocadores de violão (like me) e guitarristas.

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sexta-feira, 29 de junho de 2012

Quando não iremos a Paris?!

Mesmo com os indícios de continuidade da greve por mais dias na educação brasileira e, especificamente, baiana, por que não lembrar de certos gênios brasileiros?
Há quem lembre dos mais atuais, como Miguel Nicolelis, Eduardo Góes Neves e Rosaly Lopes. Outros irão se ater um pouco ao passado, não menos empolgante, afinal há mais de 100 anos, o 14 bis, pilotado pelo cientista brasileiro Santos Dumont, elevou-se nos céus de Paris, dando um grande passo no desenvolvimento da tecnologia mundial. 
Nesse aspecto, uma questão pode surgir: Será que a tecnologia e a ciência somente estão ligadas a proezas monumentais? 
Se analisarmos, com um olhar atento, veremos que nosso cotidiano encontra-se repleto de tecnologia, auxiliando a nossa dura existência. Seria bem difícil, na época atual, viver sem energia elétrica, o que seria dos alimentos sem a geladeira? Como suportaríamos o excessivo calor de Salvador, por exemplo, sem o ar-condicionado a deixar um ambiente fechado mais agradável? Ou os exames laboratoriais, considerados hoje tão corriqueiros, e muitos nem sabem o quanto de ciência, pesquisa e desenvolvimento foram necessários para que um diagnóstico esteja numa simples folha de papel? Enfim, muita tecnologia presente em nosso meio que passa despercebida por muitos. 
Talvez esta negligência seja fruto da educação atual, cuja maioria das escolas brasileiras coloca a ciência e a tecnologia como coisas inacessíveis, difíceis de entender. Poucos professores aproximam a ciência da vida, raro são os que saem da sala de aula e conectam seus alunos ao grande laboratório em que vivemos. Possivelmente seja preciso qualificar melhor e incentivar (financeiramente) os professores, ou alguns vão dizer que "uma reformulação na educação brasileira é necessária". Podem ser essas umas das razões para a greve de mais de 75 dias em Salvador? Eis a questão. 
Provavelmente, as matérias como Física ou Química devam continuar a interessar pouco os alunos e quanto mais tempo sem aula, como despertar vocações latentes nestas áreas já tão sofridas de carência de educadores? É verdade também: já estamos perdendo muitos cientistas para o exterior, e talvez seus trabalhos realmente só possam ser realizados lá, por mais estrutura encontrada, por mais dinheiro disponibilizado, por mais esperança de sucesso, por mais experiência na área. E nesse âmbito, dois dos três cientistas da atualidade, inicialmente citados por exemplo, realizam seus trabalhos nos EUA. 
Por fim, é preciso lembrar que alguns chamam a atual presidente de sacoleira, por sua atitude de liberar bolsas para graduação, pós-graduação e pós-doutorados, no exterior. No entanto, se o Brasil antes carecia de capacitação, agora mais do que nunca, crescendo da maneira que está, é provável que necessite de profissionais mais qualificados num futuro próximo. Seja com medidas paliativas ou não o importante é que carecemos ponderar sobre o amanhã que queremos para o Brasil, a fim de que os futuros cientistas não precisem ir à Paris realizar um grande feito.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

A voz do Amazonas: A fruta aberta


A fruta aberta 

por Thiago de Mello

para Anamaria


Agora sei quem sou.
Sou pouco, mas sei muito,
porque sei o poder imenso
que morava comigo,
mas adormecido como um peixe grande
no fundo escuro e silencioso do rio
e que hoje é como uma árvore
plantada bem alta no meio da minha vida.

Agora sei as coisa como são.
Sei porque a água escorre meiga
e porque acalanto é o seu ruído
na noite estrelada
que se deita no chão da nova casa.
Agora sei as coisas poderosas
que valem dentro de um homem.

Aprendi contigo, amada.
Aprendi com a tua beleza,
com a macia beleza de tuas mãos,
teus longos dedos de pétalas de prata,
a ternura oceânica do teu olhar,
verde de todas as cores
e sem nenhum horizonte;
com tua pele fresca e enluarada,
a tua infância permanente,
tua sabedoria fabulária
brilhando distraída no teu rosto.

Grandes coisas simples aprendi contigo,
com o teu parentesco com os mitos mais terrestres,
com as espigas douradas no vento,
com as chuvas de verão
e com as linhas da minha mão.
Contigo aprendi
que o amor reparte
mas sobretudo acrescenta,
e a cada instante mais aprendo
com o teu jeito de andar pela cidade
como se caminhasses de mãos dadas com o ar,
com o teu gosto de erva molhada,
com a luz dos teus dentes,
tuas delicadezas secretas,
a alegria do teu amor maravilhado,
e com a tua voz radiosa
que sai da tua boca
inesperada como um arco-íris
partindo ao meio e unindo os extremos da vida,
e mostrando a verdade
como uma fruta aberta.


Sobrevoando a Cordilheira dos Andes, 1962


[Do presente dos inesquecíveis: Faz escuro mas eu canto. Thiago de Mello - 23ªEd. - Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 59-60.]

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Reconvexos e página 69

Aos vinte e nove anos (muitos não acreditam quando eu digo) e quatro dias aconteceu uma surpreendente surpresa, se me permitem a redundância movida a gratidão. Certamente das muitas surpresas boas de minha vida, das quais ocorreram como um verdadeiro presente, que jamais esquecerei. 
São coisas do infindável dos sentimentos.
E na simplicidade (ponto positivo pois mostraram que me conhecem) e intimidade do momento, sem celebrismos, comemos (muito, por sinal), rimos, conversamos... Isto é, fomos e estamos sendo amigos. Inclusive, poderia agora lembrar que uma autora de sucesso certa feita contou sobre seus amigos de faculdade e como estavam unidos por uma enorme afeição, afinal esse é um momento que há uma experiência compartilhada (e pra nós até nas dificuldades, tristezas e alegrias de nosso curso). E muito provavelmente, assim como ela, essas três pessoas estarão para sempre na minha vida. Quem sabe até como padrinhos (filhos!?!?) ou personagens de uma crônica qualquer...
Posso dizer mais sobre esses meus, há uns dois anos e meio constantes, grandes amigos, que eles são tão únicos quanto meus melhores amigos. Há quem vá dizer da minha capacidade de ter e viver com amigos diferentes (os mais corajosamente sinceros dizem pitorescos, loucos, estranhos). Outros dizem que minha virtude, por me adaptar a conviver com diferentes pessoas, é a paciência. 
Digo que é simplesmente olhar mais fundo, ouvir mais tempo, escutar com coração.
E o que vejo, ouço e sinto é algo muito interessante. E, nesse momento, acho oportuno citar Caetano. Afinal, uma dessas pessoas, ela, é bem capaz de, com ou sem chuva, levantar areia do Saara sobre os automóveis de Roma (e olhe que ela é capaz de chegar a muitos lugares, antes do que muitos pensam). A outra, pode cometer garfes, eu sei, todavia é capaz de, nos golpes da pobreza (cito-a), ser uma destemida Iara, água e folha da Amazônia (ou de outra cidade da Bahia), e dançar como uma sereia. Já o outro, tem se mostrado como a mais nova espada e seu corte (língua sincera), mesmo sendo sempre amigável, gentil (muitos chocolates e pen drives) e parceiro de todos, pra todas as horas.
Como não agradecer a presença incrível dessas únicas pessoas em minha vida? Às vezes, eu dou um de guardião firme e forte e não sou suficientemente claro sobre minhas gratidões e sentimentos. Talvez por meio da escrita eu seja melhor nas palavras, entretanto espero estar sendo mais que palavras na vida de deles. E de meus, perto e distante, outros amigos.
É certo que ainda nem rezamos a novena da Dona Canô (talvez precisemos para terminar o curso bem), e nem fomos atrás do Olodum balançando o Pelô (quem sabe não necessitemos para relaxar). Mas que bom que nós sempre rimos e somos forte quando pudemos. E é um riso muito melhor que a risada de Andy Warhol e podemos ter mais força que o preto norte-americano forte.
Por fim, não posso esquecer que presentes, como disse a Srª. Lispector, podem representar o sentimento de doação de uma pessoa, ou muitas vezes, a própria pessoa. E eu ganhei um presente daqueles tipo "não tem preço". Isso porque os próximo a mim sabem do quanto eu gosto dos poemas de um certo poeta amazonense.
Abaixo, então, um forte e belo poema do livro que ganhei. E que os fortes continuem fortes, e os que veem, reparem suas forças, para amar sempre, e em verdade.

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A Aprendizagem Amarga

Chega um dia em que o dia termina
Chega um dia em que a mão, já no caminho,
de repente se esquece do seu gesto.

Chega um dia em que a lenha já não chega
para acender o fogo da lareira.
Chega um dia em que o amor, que era infinito,
de repente se acaba, de repente.

Força é saber amar, perto e distante,
com o encanto de rosa livre na haste,
para que o amor ferido não se acabe
na eternidade amarga de um instante.


Thiago de Mello

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E mais uma vez, muito obrigado.


sábado, 14 de abril de 2012

De óculos escuros, com aros redondos

Faladeira, insistente e enrugada. Essas são as três características que muitos pacientes dizem ela ter. Os recuperados, outrora moribundos debilitados, falam da velha com estranheza e ao mesmo tempo cheios de grande gratidão. Ressaltam a habilidade da velhinha de olhos esmeralda em andar velozmente na sua cadeira de roda, dirigindo pelo hospital, para visitar pacientes.
Interessante, é preciso notar, outros contam que ela não é essa velha, porém não dizem o contrário quando o assunto é experiência em conversas. Esses a veem como ele. Sim, um homem, de olhos peculiarmente verdes. Proferem, por aí, suas visitas inesperadas nas praças e pontos de ônibus por todo país. É o senhor com quem muitos acabam conversando um bom tempo, sem notar como a conversa, por vezes pouco relevantes, acabou confortando seus corações. No entanto, ao entrar no ônibus, ou descer na estação, ou quem sabe ir embora depois da pausa na praça, viram a esquina e não se lembram mais com quem estavam falando. Somente têm a certeza que foi bom conversar.
Pois bem, os menos adeptos a esse constante vagar preferem a história mais recente, na qual ela, sendo ele, é ele, todavia não um ele senhor, mas um ele jovem, moderno, cheio de vida. Especificamente, é um rapaz negro, de paletó e gravata, todo impecável e decidido, porém ele não deixa de ressaltar sua negritude, além da sua cor. Afinal adota uma cabeleira black-power. Quem o vê, logo contagia-se por seu viver. Sabem que pra ele, mesmo com qualquer barreira, tudo será possível. Simplesmente por sua atitude. Ele mostra: realizo e atingirei meus objetivos, cedo ou tarde, com batalhas, derrotas, vitórias, preconceitos ou aceitações. Ele  conhece os caminhos diversos da vida, de como ela se renova o tempo todo, às vezes para pior, outras pra melhor. O importante ele diz: "É sempre buscando o melhor, mesmo no pior".
Talvez por considerarem tais palavras um monte de asneira, alguns escolhem se adequar à história, bela é verdade, de um certo senhor. Nela esse rapaz, é na verdade uma meninazinha de olhos muito, muito verdes. Inteligente, muito tagarela, além de demasiadamente hiperativa. Preferem essa história porque a alegria da criança associada a sua essência é muito agradável de sentir. Já outros vão dizer, pessoas chateadas e tendentes ao tédio, que essa menina na verdade é uma louca e que não querem perder tempo para as verdades sinceramente constrangedoras ditas pela meninazinha. São verdades similares as de Estamira, que mesmo em momentos absurdamente insanos diz as mais límpidas e sinceras verdades.
Ah! Mas ousadamente posso dizer que a vejo de outra maneira. Vislumbro-a como uma moça. Toda riponga de saia cigana e camisa de projeto de extensão. Do tipo "tô nem aí", mas estando muito aí. Ela está, agora, deitada numa rede, tocando violão e cantando. Definitivamente pitorescos, são seus óculos escuros, com aros redondos. Destoam. Evidenciam-se. Percebo seu olhar por detrás dos óculos escuros. Estaria ela querendo disfarçar sua característica mais marcante, como quisesse esconder de mim quem é, sobre esses aros redondos fora de moda?
Não sei dizer... Minha certeza, entretanto, está em sua atitude tocando, numa tranquilidade de quem sabe pouco e tudo. Tudo pode metamorfisar ou ficar na mesma, a diferença é como aceitar as duas possibilidades e viver bem, ela canta. E ela "joga duro" cantando, como dizem por aqui. E seu canto me remete isso: a possibilidade nas impossibilidades. Ah! como a vejo. A observo e escuto. Ouço-a e sinto. Quereria poder abraçá-la e agradecer por sua força constante, mas, quem sabe, com somente com esses dois (ou para os mais exotéricos, três) sentidos não consigo fazer o mesmo que ela, e componho com meu violão um novo e belo rock rural?

sábado, 31 de março de 2012

Música pra pensar, voando com o pé no chão

Há quem vá dizer ou pensar estupefato (me achando estúpido) na impossibilidade do título deste post. Mas alguns entederão. Hoje poderia ser um sábado qualquer, mais uma aula do curso de inglês. No entanto, para minha surpresa, além de mais aprendizados importantes no inglês, revivi uma reflexão antiga a respeito de uma música.
Meus colegas de curso, em uma atividade, me reapresentaram a esta música, que está no video abaixo. Convido a quem tem paciência e coragem de ler este blog, a sentir esta música, a assistir o video e a aceitar o convite de Phill Collins. Aquele, para pensar um pouco sobre isso, aquilo e o que seria um paraíso. Afinal não estamos um pouco desatentos, constrangidos, distantes?
E penso que este post talvez case perfeitamente com outro, sobre pedir licença...




segunda-feira, 5 de março de 2012

Vocação?!

Das muitas fases de nossa vida, a juventude é, de certo, a das mais conflitantes. Seja pelas grandes aventuras, amores e amizades, seja pelas primeiras experiências de responsabilidade. A escolha da profissão é uma dessas responsabilidades e, para muitos, bastante complicada, já que nem sempre é possível conciliar expectativas pessoais às exigências do mercado de trabalho atual.
Um influenciador na escolha do futuro profissional são as perspectivas econômicas. Afinal o custo de vida acresce de forma contínua, sendo primordial projetar uma carreira que atenda a essa, quase determinada, instância da sociedade contemporânea. Os cursos de nível superior na área tecnológica e de engenharia, além de medicina, são os mais disputados, exatamente, por conquistarem os mais recentes avanços e, consequentemente, alcançado maiores salários no mercado de trabalho.
Além do bacharelado, pós-graduações, doutorado e especializações são recomendáveis, pois podem garantir estabilidade, ou, até mesmo, abrir portas para o emprego. Outro importante ponto é ser multidisciplinar, não ficar preso aos limites de sua profissão, agregar conhecimentos de outras áreas, ganhando uma visão ampla do mercado e da sociedade. Buscar, assim, a solidificação da carreira através dessa nova forma de competência: interdisciplinaridade. Mas, com isso, as pessoas não estariam deixando de lado o exercício pleno de sua vocação?
Infelizmente, não há mais espaço para tal situação. Hoje, é imprescindível para se manter financeira e profissionalmente a conquista do equilíbrio entre o gostar e o dever fazer. Para aqueles não contemplados com a prática plena da vocação, será necessário, acima de tudo, aprender a gostar daquilo que se faz. Mas, há a chance de, após aposentado, seguir o tão sonhado curso da juventude, muitos já fazem isso: recomeçam. Não será o começo de uma nova vocação?

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Num campo dourado

Quem vê os dois caminhando em direção ao campo dourado, nem imagina que estão se despedindo. Definitivamente é difícil acreditar que aquela garota, de cabelos de ouro, tão apaixonada vá seguir um caminho diferente de seu não menos arrebatado amado. 
O sopro oeste perpassa e eles se abraçam.
Chegam, então, ao campo e o abraço dele é leve, ao ligeiro cair dela sobre si. O vento eleva o cabelo da garota. Cai sobre os ombros do rapaz, do mesmo jeito que a cevada balança ao sereno comando do vento oeste. Certamente, para ele, essa lembrança jamais será esquecida. Os dois sorriram ao balançar dourado. A brisa também conforta. Gostos comuns, eternamente serão recordados. Duvidam que o sol forte seja lembrado, mesmo assentindo que o céu azul é esplendoroso. 
Percebem. Existe um ou mais modos de elevar ainda mais aquele momento, a despedida. Há certa inquietação, uma urgência diferente. Antes que seja tarde e seus caminhos sigam por estradas diferentes. O beijo. Entre os campos de ouro eles se tocam mais intensamente, para tornar esse momento inesquecível. Realmente é possível guardar tais lembranças a ponto de um dia, ter-se a certeza que alguém te ama, mesmo longe? Naquele instante só a certeza do momento diz sim a esta possibilidade. A intensidade do beijo. O vento leve e vivo envolvendo seus corpos. A imensidão de ouro e brilho ao redor deles. 
Sabem das muito poucas promessas feitas neste lugar. Jamais vãs. Algumas não cumpridas. Talvez nunca se realizem. Todavia, abraçados, sentados e contemplando o horizonte dourado, parecem ter certeza do retorno. De que fariam pouco da distância e do tempo? 
Ao menos um dia se essa única promessa tola não se fizesse, saberiam que ao ver outros, pequeninos, adultos, namorados, idosos, seja quem for caminhando num mar de ouro qualquer, lembrariam dos momentos vividos aqui. Deste momento, do toque. Da brisa oeste e do balançar da cevada. Do cabelo sobre o ombro e do abraço protetor. Do beijo e quem sabe até do sol quente. Mas, sobretudo, de se darem a chance de amar, bucolicamente, em campos de ouro.