sábado, 14 de abril de 2012

De óculos escuros, com aros redondos

Faladeira, insistente e enrugada. Essas são as três características que muitos pacientes dizem ela ter. Os recuperados, outrora moribundos debilitados, falam da velha com estranheza e ao mesmo tempo cheios de grande gratidão. Ressaltam a habilidade da velhinha de olhos esmeralda em andar velozmente na sua cadeira de roda, dirigindo pelo hospital, para visitar pacientes.
Interessante, é preciso notar, outros contam que ela não é essa velha, porém não dizem o contrário quando o assunto é experiência em conversas. Esses a veem como ele. Sim, um homem, de olhos peculiarmente verdes. Proferem, por aí, suas visitas inesperadas nas praças e pontos de ônibus por todo país. É o senhor com quem muitos acabam conversando um bom tempo, sem notar como a conversa, por vezes pouco relevantes, acabou confortando seus corações. No entanto, ao entrar no ônibus, ou descer na estação, ou quem sabe ir embora depois da pausa na praça, viram a esquina e não se lembram mais com quem estavam falando. Somente têm a certeza que foi bom conversar.
Pois bem, os menos adeptos a esse constante vagar preferem a história mais recente, na qual ela, sendo ele, é ele, todavia não um ele senhor, mas um ele jovem, moderno, cheio de vida. Especificamente, é um rapaz negro, de paletó e gravata, todo impecável e decidido, porém ele não deixa de ressaltar sua negritude, além da sua cor. Afinal adota uma cabeleira black-power. Quem o vê, logo contagia-se por seu viver. Sabem que pra ele, mesmo com qualquer barreira, tudo será possível. Simplesmente por sua atitude. Ele mostra: realizo e atingirei meus objetivos, cedo ou tarde, com batalhas, derrotas, vitórias, preconceitos ou aceitações. Ele  conhece os caminhos diversos da vida, de como ela se renova o tempo todo, às vezes para pior, outras pra melhor. O importante ele diz: "É sempre buscando o melhor, mesmo no pior".
Talvez por considerarem tais palavras um monte de asneira, alguns escolhem se adequar à história, bela é verdade, de um certo senhor. Nela esse rapaz, é na verdade uma meninazinha de olhos muito, muito verdes. Inteligente, muito tagarela, além de demasiadamente hiperativa. Preferem essa história porque a alegria da criança associada a sua essência é muito agradável de sentir. Já outros vão dizer, pessoas chateadas e tendentes ao tédio, que essa menina na verdade é uma louca e que não querem perder tempo para as verdades sinceramente constrangedoras ditas pela meninazinha. São verdades similares as de Estamira, que mesmo em momentos absurdamente insanos diz as mais límpidas e sinceras verdades.
Ah! Mas ousadamente posso dizer que a vejo de outra maneira. Vislumbro-a como uma moça. Toda riponga de saia cigana e camisa de projeto de extensão. Do tipo "tô nem aí", mas estando muito aí. Ela está, agora, deitada numa rede, tocando violão e cantando. Definitivamente pitorescos, são seus óculos escuros, com aros redondos. Destoam. Evidenciam-se. Percebo seu olhar por detrás dos óculos escuros. Estaria ela querendo disfarçar sua característica mais marcante, como quisesse esconder de mim quem é, sobre esses aros redondos fora de moda?
Não sei dizer... Minha certeza, entretanto, está em sua atitude tocando, numa tranquilidade de quem sabe pouco e tudo. Tudo pode metamorfisar ou ficar na mesma, a diferença é como aceitar as duas possibilidades e viver bem, ela canta. E ela "joga duro" cantando, como dizem por aqui. E seu canto me remete isso: a possibilidade nas impossibilidades. Ah! como a vejo. A observo e escuto. Ouço-a e sinto. Quereria poder abraçá-la e agradecer por sua força constante, mas, quem sabe, com somente com esses dois (ou para os mais exotéricos, três) sentidos não consigo fazer o mesmo que ela, e componho com meu violão um novo e belo rock rural?