segunda-feira, 23 de julho de 2012

A voz do Amazonas: A raiz

A raiz


por Thiago de Mello
a Moacyr Félix


Num campo de silêncio
onde pastam manhãs
estou pelo que sou.

Canção azul de cobre,
me chega pelo vento:
em sua dor me deito.

Um espesso lençol
com ternura de pinhos
enrola o coração.

O sangue levanta
no espaço bandeiras
de fogo e limão.

Até a pedra entrega
seus ásperos segredos
ao cristalino dia.

A raiz arranca
com sua garra de amor
a rosa do meu peito.

E reparto o diamante
que a infância me deu.
---
[Do presente dos inesquecíveis: Faz escuro mas eu canto. Thiago de Mello - 23ªEd. - Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 45-46.]

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Arremedo

Dizem que a arte imita a vida, ou vice-versa. Ou não. Só lembro que no cinema um único sentimento parece ser, muitas vezes, imitado tão bem a ponto de me contagiar.
Nesses momentos raros e célebres do cinema esqueço a sua atual escassez para criatividade. Eu, tão pouco criativo como o cinema do século XXI, cheio de refilmagens e afins, retalhei em uma só imagem, amizades do cinema as quais sempre me lembro, quando o assunto é estar ao lado de alguém, em todos os momentos, perto ou longe.
Tal falta de inspiração, seja fruto das mudanças literais as quais estou passando, mas justificar-me talvez seja perder-me ainda mais. Afinal, quem sabe a imagem de imagens não valha mais que palavras. 

Principalmente para quem tem uns aninhos como eu, algumas vão ser nostálgicas e altamente representativas. Enfim, eu tenho a felicidade de dizer que tenho amigos, poucos AMIGOS, os quais são de raros tipos (já que a sociedade os quer rotular). E nem precisa eu dizer quem é quem nas fotos, pois eles certamente irão descobrir, evidentemente esquecendo das características externas, para lembrar-se do mais importante, a história de amor-amizade entre as figuras fictícias que arremedaram alguma bela história nesse mundo, mesmo tão cheio de problemas.

Feliz dia do Amigo!!!





quinta-feira, 19 de julho de 2012

A voz do Amazonas: Botão de rosa

Botão de rosa

por Thiago de Mello

Nos recôncavos da vida 
jaz a morte.
                  Germinando
no silêncio.
                  Floresce
como um girassol no escuro.
De repente vai se abrir.
No meio da vida, a morte
jaz profundamente viva.
---
[Do presente dos inesquecíveis: Faz escuro mas eu canto. Thiago de Mello - 23ªEd. - Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 75.]

sábado, 14 de julho de 2012

A voz do Amazonas: Cantiga de claridão

Cantiga de claridão

por Thiago de Mello

Camponês, plantas o grão
no escuro – e nasce um clarão.
Quero chamar-te de irmão.

De noite, comendo o pão,
sinto o gosto dessa aurora
que te desponta da mão.

Fazes de sombras um facho
de luz para a multidão.
És um claro companheiro,
mas vives na escuridão.
Quero chamar-te de irmão.

E enquanto não chega o dia
em que o chão se abra em reinado
de trabalho e de alegria,
cantando juntos, ergamos
a arma do amor em ação.

A rosa já se fez flama
no gume do coração.

Camponês, plantas o grão
no escuro – e nasce um clarão.
Quero chamar-te de irmão.

Um dia vais ser o dono
do verde do nosso chão:
nunca vi verde tão verde
como o do teu coração. 

---
[Do presente dos inesquecíveis: Faz escuro mas eu canto. Thiago de Mello - 23ªEd. - Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 43-44.]

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Logo ali, na esquina

Ele sempre viu o mundo. Bobo, o tocava e ouvia, de uma maneira diferente de muitos. De certo, tem um ar um tanto quanto sonhador demais, tolo para o mundo. Perdeu oportunidades, é notável, principalmente por conta do preconceito. Sua cor? Sua atitude diante da vida?
Engraçado vê-lo refletindo sobre isso num ônibus lotado. Realmente é de assustar um pouco seu ar longe, em meio a tantos sons, conversas e ruídos. É caos urbano, alguns dizem.
Distancia-se um pouco de si e observa. O ônibus para em um engarrafamento. E logo ali na esquina vislumbra um marginal qualquer apontando uma arma para uma mulher. Ela parece ser forte (fria até) para o momento. Por um momento ele se apaixonaria por ela, devido a tão peculiar comportamento diante da fatídica e constante violência citadina. Mas, por outro lado, ele se invade de terror, pois o ladrão atira na moça, quando ela tenta reagir. A blusa branca da jovem torna-se escarlate, num tom de clímax de vida. De morte. Surpreendo-me então por ver em meio a todo o povo escandalizado, que ele, diferente de todos, volta a ficar pensativo. Descubro seu pensar nas esquinas da vida.
Talvez não só a morte esteja lá, afinal sua onipresença já é conhecida. Por certo ele lembra, ao longe, de entrever o amor na esquina da rua. Sim, o amor dos jovens namorados no portão da casa da menina. Quase se poderia declarar que esse amor está na intensidade do beijo (bem de novela), na força do abraço, ou no inflamar das carícias apressadas e cheia de adrenalina, mas não. Ele vislumbrou o amor sincero e intenso do olhar, de dois jovens enamorados. E no olhar, quase todos são sinceros. Ele duvida.
Quem sabe o desprezo de muitos pelas esquinas residam nas manifestações culturais-religiosas, nos bozós, na felicidade dos foliões no Carnaval, nas festas de rua nos interiores. Ah! Ele vê a esquina como o lugar da amada da adolescência, aquela menina cheia de charme e malemolência, que todos os rapazes ficavam embasbacados ao vê-la passar. Também talvez goste de esquinas, por que estas o lembram da velha engraçada e risonha que contava histórias pra meninos. Quem sabe ainda não se lembre das mulheres fofoqueiras e felizes nos bairros periféricos, que fofocam e atentam suas crianças brincarem, na rua, não em frente a telas cheias e, ao mesmo tempo, vazias.
Possa ser: na próxima esquina ele vai vislumbrar outro clímax da vida. Talvez eu não consiga ter tamanha reflexão, mas preciso ficar atento, afinal um belo e positivo momento pode acontecer no próximo cantinho da vida. Então, lembrarei-me dele, feito do amor, e agarrarei com toda a força, se o momento for único e positivo. Quem sabe assim não alcanço um pouco dessa paz de espírito, no olhar desse bobo.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Você gosta de levar vantagem em tudo, certo?

Esta famigerada pergunta é para muitos brasileiros, retórica. Quando Gerson, o tricampeão brasileiro de futebol, soltou tal frase podia não saber, mas captava um elemento de identificação intrínseco no imaginário popular, e, ao mesmo tempo, profetizava uma onda continua de corrupção na política e na sociedade brasileira.
Antes de mais nada é importante levarmos em conta que durante a história do Brasil uma identidade equivocada foi criada. Inicialmente os brasileiros eram tidos como preguiçosos, o que alguns dizem ser herança dos índios. Outro legado, o escravista, nos fizeram ter horror ao trabalho, assim dizem. A partir desta idéia surgem os malandros e tornam-se parte do imaginário popular fazendo contraponto ao modelo europeu cheio de regras. Com o tempo, o malandro caiu para a contravenção, mas o folclore do “jeitinho brasileiro” já havia marcado quase que definitivamente o caráter nacional. 
Embora estejamos no século XXI, a regra da malandragem persevera em nosso país, seja na política ou no dia-a-dia do povo brasileiro. São muitos os escândalos ocorridos na política, constantes por anos a fio. Todos os casos de corrupção que vem ocorrendo são mais revoltantes por não encerrarem em punição devida e exemplar, tornando a impunidade outra terrível marca do Brasil. 
Mas a política brasileira não está sozinha, uma rápida análise no cotidiano dos brasileiros revelará que a ética é muito pouco praticada. Um exemplo é o instalador de persianas que vem a sua casa e diz que ele também vende este produto (de segunda mão) e muito mais barato. Outro exemplo é o dos milhares de estudantes fantasmas usando carteiras falsas para pagar meia-entrada em cinemas, shows e teatros, além das corrupções já conhecidas que vão desde conseguir um lugar na frente de uma fila ou calar-se ao receber um benefício indevido da previdência. 
De fato, a idéia de levar vantagem sobre os outros conduz, muitas vezes, as pessoas a não cumprirem um papel de transformação na sociedade, além de colocar a imagem do Brasil como um país repleto de trapaceiros. Enquanto não nos cobrarmos, cada um de si mesmo, até que a postura ética substitua a condescendência, a convivência e a prática da corrupção, o Brasil continuará imaturo cultural, política e socialmente.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

A voz do Amazonas: Madrugada camponesa

Madrugada camponesa


por Thiago de Mello


Madrugada camponesa,
faz escuro ainda no chão
mas é preciso plantar.
A noite já foi mais noite,
a manhã já vai chegar.

Não vale mais a canção
feita de medo e arremedo
para enganar a solidão.
Agora vale a verdade
cantada simples e sempre,
agora vale a alegria
que se constrói dia a dia
feita de canto e de pão.

Breve há de ser (sinto no ar)
tempo de trigo maduro.
Vai ser tempo de ceifar.
Já se levantam prodígios,
chuva azul no milharal,
estala em flor o feijão,
um leite novo minando
no meu longe seringal.

Já é quase tempo de amor.
Colho um sol que arde no chão,
lavro a luz dentro da cana,
minha alma no seu pendão.

Madrugada camponesa.
Faz escuro (já nem tanto),
vale a pena trabalhar.
Faz escuro mas eu canto
porque amanhã vai chegar.

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Amazonas, 62,
Santiago, 63,
Para os trabalhadores do MST,
em 1999.
---
[Do presente dos inesquecíveis: Faz escuro mas eu canto. Thiago de Mello - 23ªEd. - Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 39-40.]